[…] Max Verstappen (396) e Oscar Piastri (392) também tem chances de se sagrarem campeões: Confira AQUI todas as possibilidades…

Lewis Hamilton venceu o Grande Prêmio da Grã-Bretanha após 945 dias desde sua última vitória em Jeddah. Além disso, ele alcançou nove vitórias no mesmo circuito, quebrando um recorde na Fórmula 1. Michael Schumacher segue como o segundo piloto com o maior número de vitórias em um único circuito, com oito conquistas em Magny-Cours, enquanto Ayrton Senna brilhou com seis vitórias em Mônaco.
Ao descer do carro, Hamilton celebrou com seu pai, Anthony Hamilton, a tão aguardada vitória. Contudo, o que ele não poderia prever era que essa celebração resultaria em uma das cenas mais comoventes do dia: o heptacampeão mundial, emocionado, repousando sua gratidão no ombro paterno.

Em entrevista ao Felipe Kieling, Lewis foi lembrado de um fato curioso: ele nunca havia chorado após uma corrida. Mas no domingo, as lágrimas surgiram, e suas emoções estavam à flor da pele. Quando perguntado sobre o significado dessas lágrimas, ele refletiu profundamente: “Acho que, muitas vezes, quando você tem lágrimas assim… me pergunto sobre o peso de uma lágrima, sabe? E o que elas carregam… “
Então, o que essas lágrimas e emoções revelam? É compreensível considerar que as lágrimas de Lewis no ombro de seu pai estivessem relacionadas aos 945 dias sem vencer. A vitória de um homem que não conhecia o gosto do triunfo há 3 anos é um acontecimento digno de celebração. Mas, ao observarmos mais de perto, percebemos que há uma camada mais profunda de significados e lutas que transcendem o mero fato esportivo. Este homem, em sua jornada de quase mil dias sem vencer, carregava consigo um fardo ainda maior: o peso de uma identidade que, como Frantz Fanon magistralmente pontuou, nunca lhe permite ser simplesmente um homem, mas sempre um homem negro.
“O homem negro não é um homem, é um homem negro” (Fanon, 2008), durante 945 dias, ele permaneceu negro. E, em cada um desses dias, a cor de sua pele não apenas o definiu, mas também o marcou com as complexidades e as adversidades de viver em uma sociedade que muitas vezes se recusa a enxergá-lo além do estigma racial.
Talvez possamos voltar a um passado não tão distante, onde esse mesmo ombro já recebeu as lamentações de um piloto que viu, diante de seus olhos, a interpretação e modificação de um regulamento prestes a conquistar seu 8º título. Para Lewis, aquelas lágrimas não eram apenas sobre a corrida do dia, mas também sobre as cicatrizes do passado, as batalhas travadas e as injustiças enfrentadas.

As lágrimas daquele homem que venceu a pobreza, a violência e outras investidas letais do racismo são um testemunho de uma jornada de coragem e resiliência. Lewis sempre lutou abertamente para ampliar o debate sobre a saúde mental nas mais diversas esferas, inclusive no esporte. Entretanto, nos últimos anos, sem a vitória que tanto almejava, Lewis teve que trabalhar sua própria mente todos os dias. Atrás dos holofotes, ele enfrentou uma solidão esmagadora, uma solidão que é paradoxalmente mais intensa mesmo em lugares onde parece não existir.
Falar do homem negro é falar dessas feridas que se fazem presentes em quase todas as relações sociais. É falar de inseguranças que os consomem internamente, por mais que pareçam seguros de si mesmos. A construção social é para que homem não chore. A expectativa sobre o homem negro é ainda mais severa, sem espaço para vulnerabilidades, a intenção é justamente que não haja nem mesmo espaço para isso. Eles devem se apresentar como indivíduos firmes, seguros do que são, invioláveis, inquebráveis, capazes de suportar o mundo sem demonstrar emoção.
O choro de Lewis Hamilton, então, demonstra a persistência de um homem negro ao encontro de sua obra-prima. De um filho que reconhece que o pai trabalhou em três empregos para dispor de dinheiro e investir na sua carreira de piloto. Um choro que foi quase como a culminância de tudo, desde a primeira vez que ele sentou em um kart e disse: “Eu quero competir”. E o pai respondeu: “Não posso pagar por isso, Lewis, mas se você vai fazer isso, precisa levar a sério”.

A vitória, portanto, é muito mais do que um rompimento de um jejum de conquistas esportivas. É um ato de resistência e uma reafirmação da humanidade que muitas vezes é negada. É a prova viva de que, mesmo quando a sociedade tenta aprisionar um homem em uma identidade limitante e desumanizadora, ele pode, e deve, transcender essas barreiras e reivindicar seu lugar de direito.
Um homem que, nos últimos anos, enfrentou não apenas a frustração de não alcançar a vitória, mas também a constante desaprovação. Estamos falando de Lewis Hamilton, um piloto que, apesar de já ter igualado o recorde de Schumacher, sabe que precisa continuar provando seu valor a cada momento. Não por satisfação pessoal, mas para uma sociedade que o inferioriza a cada instante.
Ainda em entrevista pós-corrida, Hamilton finalizou sua fala dizendo: “Eu acho que houve tantos momentos em que pensei que não era bom o suficiente para fazer o que fiz hoje. Nunca mais… E isso é uma coisa realmente difícil de aceitar. Mas hoje mostrou que eu não preciso aceitar isso.”
Essa fala é incrivelmente poderosa. Imagine ingressar na principal categoria do automobilismo desde 2008, enfrentando a pressão interna da equipe, a pressão externa do campeonato e a pressão constante de corresponder às expectativas sociais sobre suas emoções e sua imagem. Passar a agir de acordo com quem você realmente é, e não mais atingir as expectativas que a sociedade tinha sobre seu corpo e suas emoções, é um processo profundamente libertador.
Em 2024, após anos de angústia acumulada, Hamilton finalmente conseguiu romper com a irrealidade que lhe foi imposta e com suposições que ele até então havia assimilado como suas. É a partir daí que começa a verdadeira aprendizagem.
Considero esse momento emblemático. A jornada de Hamilton é uma representação vívida do que muitos enfrentam diariamente. Sua capacidade de perseverar, mesmo sob um escrutínio implacável, e de encontrar uma nova forma de ver e valorizar a si mesmo, é um testemunho de força e autenticidade.
E para nós, que o assistimos, aquelas lágrimas revelavam a verdadeira essência de um campeão: a capacidade de sentir, de ser vulnerável, e de se conectar com a profundidade das próprias emoções. Um homem negro, talentoso e bem-sucedido, que com maestria e competência superou todas as barreiras impostas a sua raça em uma sociedade permeada pelo racismo.
——————————————————————————————————
Meu nome é Lívia Martins, tenho 18 anos e sou estudante de Ciências Sociais impulsionada pela interseção entre Fórmula 1 e Feminismo Negro. Os esportes não são apenas competições físicas, mas reflexos fiéis da sociedade em que estão inseridos. Ao mergulhar nas corridas, percebo a necessidade de ampliar vozes femininas e negras neste universo na busca por inclusão e igualdade em um esporte historicamente dominado por homens.
Otíma análise! Muito potente.
Que sensibilidade! Claro que todos nós ficamos emocionados com essa cena, mas essa análise possuiu um nível absurdo de atenção aos detalhes.
Esse olhar é realmente especial, imaginar um campeão da magnitude do Hamilton e o controle que a sociedade exerce sobre as emoções e os resultados dele, é realmente uma situação para qual nunca me atentei. Muito bem escrito