Automobilismo e representatividade da população negra

Kenzo Craigie (piloto júnior da Mercedes) e Lewis Hamilton. Foto: Reprodução

Nesta semana da Consciência Negra no Brasil, é uma boa oportunidade para refletir por que há uma  representatividade tão desproporcionalmente pequena da população negra no automobilismo, especialmente nas categorias mais altas.

É sabido que o esporte a motor, desde sua origem, sempre foi um esporte elitista, e a população negra, em diversos países, foi marginalizada devido a processos sócio-históricos que sofreu. Mas é óbvio que a falta de maior representatividade de negros no automobilismo não se deve somente a fatores econômicos, nem, obviamente, a uma suposta falta de talento de todo um grupo étnico, mas é resultado, também, do racismo no esporte a motor. É preciso garantir que se tenha uma base mais diversa de pilotos, para que se possa promover a inclusão nas categorias de base e também a agregação dos melhores talentos de diversas origens nas categorias de ponta.

A F1 é uma categoria que demanda altos custos de entrada nas categorias de base e, consequentemente, muito patrocínio. Contudo, até na história recente, é possível ver exemplos de pilotos brancos oriundos de famílias desabastecidas de recursos que conseguiram superar os obstáculos e ingressar na principal categoria do automobilismo mundial. Entre os pilotos que se pode citar que ultrapassaram a barreira da pobreza para estar na F1 estão Michael  Schumacher, Kimi Raikkonen, Robert Kubica e Valtteri Bottas. Mas há apenas um piloto negro em toda a história da F1, desde 1950, que, no caso, ele também veio de uma família desprovida de posses, que conseguiu ingressar na F1, o heptacampeão Lewis Hamilton. Além do desafio social, Lewis Hamilton também  precisou lutar contra as barreiras raciais para entrar na F1 e, até hoje, depois de sete títulos mundiais, ainda é alvo de discriminações na categoria. 

Uma das provas de que o racismo é uma grande obstáculo para a representatividade no esporte a motor em geral e que durante muito tempo ele foi uma barreira quase intransponível para a entrada de negros na Formula 1 e por só haver um único piloto negro na f1 até hoje e ele ser Lewis Hamilton, um heptacampeão mundial. Ou seja, foi necessário que o único negro que entrou na F1 depois de 57 anos da existência dessa tivesse um talento extraordinário a ponto de se tornar um heptacampeão mundial e estar entre os grandes da categoria. Mas também foi preciso de uma série de outros fatores para que Hamilton pudesse alinhar no grid da F1 em 2007, como por exemplo: o fato de o pai dele ter trabalhado em três empregos para mantê-lo no kart, e foi essencial Lewis ter conseguido o apoio da equipe McLaren quando ele tinha dez anos de idade.

Assim sendo, tudo isso mostra que, para que Hamilton fosse o primeiro piloto negro a entrar na F1 houve um conjunto de circunstâncias muito específicas e a necessidade de ele ser ser um piloto com talento natural atípico. Contudo, apesar de todos os seus números e recordes que ele ainda mantém na categoria, ainda existem críticos que exigem que ele tenha que se provar como piloto. 

Outrossim, outra forma de o racismo se manifestar no automobilismo é que o desempenho e os erros dos pilotos são atribuídos à etnia deles. Para exemplificar a questão, o grid da F1 atual é formado por pilotos de diferentes níveis técnicos.

É sabido pelos que acompanham a categoria que alguns pilotos merecem estar ali no grid e outros não. E também se sabe que o grid é formado na grande maioria por pilotos brancos. Em geral, quando pilotos brancos europeus fazem boas ou más performances, eles são avaliados na sua individualidade e não como membros de um grupo étnico.  Não se vê na imprensa ou nas mídias sociais discursos como “os pilotos brancos da etnia da Europa do Norte” ou da “etnia da Europa Ocidental”  são bons ou maus pilotos. Todavia, na hipótese de dois ou três pilotos negros tivessem sido contratados em um ano derminado ano na F1, e não houvesse o bom histórico do Lewis Hamilton, e o grupo de pilotos negros começasse a performar de forma mediana ou ruim,  a generalização da imprensa e da Internet seria nítida e rápida.  

Ademais, é uma falácia o pressuposto de que não há outros pilotos negros na F1, atualmente, porque faltam talentos. E, vem como, não há fundamento em dizer que não há mais pilotos negros na principal categoria do automobilismo mundial, porque o piloto deve entrar na categoria por causa da qualidade dele e não “da cor”.  É inescusável estar ciente de que quando não houver uma verdadeira representatividade negra e de outras minorias na F1,  ao longo do tempo, vão haver pilotos do mais alto nível técnico de performance, mas também pilotos de nível médio e também podem haver de nível baixo. Mas isso também acontece com os  pilotos que são homens brancos. Contudo, a Fórmula 1 lida com os pilotos em diferentes situações e também deve dar essa oportunidade a pilotos de minorias.

A tarefa de tornar o automobilismo um esporte mais representativo não só para negros, mas para outras minorias, como as mulheres, começa nas categorias de base. É essencial que haja o estímulo às crianças e aos jovens desses grupos minoritários à prática do automobilismo, que se expanda o acesso a patrocínios e vagas nas equipes para esses grupos. Nas categorias de acesso à Fórmula 1, é preciso que haja políticas mais ousadas para que os grupos minoritários possam ter acessos a carros competitivos. Uma sugestão seria o prêmio da F1 Academy ser uma vaga em uma equipe da Fórmula 2 ou 3 em uma equipe que tenha força para lutar por vitórias.

Enquanto isso, figuras como Lewis Hamilton, o piloto da Nascar Bubba Wallace e outros ativistas pelo mundo inspiram novas gerações de minorias no automobilismo. É importante que a imprensa, o público, os patrocinadores, as equipes e a Federação Internacional de Automobilismo estejam prontos para dirimir os preconceitos e engajar-se em mudanças que tornarão o automobilismo mais inclusivo, representativo e mais eficiente no processo de encontrar talentos.

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Ester dos Santos é mestranda em Ciência Política, na UnB, acompanha Fórmula 1 desde 2009 e ama falar de automobilismo, política e assuntos afins.

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