Trump no box na McLaren e os (des)encontros da FIA e da F1 com a política 

Trump no box da McLaren no GP de Miami 2024.

O ex-presidente dos Estados Unidos e atual candidato à Casa Branca, Donald Trump visitou os boxes da McLaren no Grande Prêmio (GP) de Miami de 2024, 5 de junho,  e o resultado é que houve muitos questionamentos por parte do público da F1 sobre a relação entre esta e a política. Além dessa experiência, é possível lembrar de Michelle Obama no boxes da Mercedes, em 2022, no GP de Miami.

Contudo, desde 2023, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) proibiu os pilotos de fazerem manifestações políticas, religiosas e pessoais no pódio sem prévia autorização. A regra foi resposta ao ato do piloto Lewis Hamilton, em setembro de 2022, quando usou no pódio uma camisa pedindo a prisão dos policiais que mataram a tiros a mulher negra Breonna Taylor, em Michigan, após oficiais entrarem na casa dela buscando seu ex-namorado1. Após este protesto, se seguiram várias manifestações políticas e sociais sobre vários assuntos por parte dos pilotos Hamilton e de Sebastian Vettel (no caso deste, ambientais também). A relação entre F1 e política está firmada desde os primórdios da categoria e é basilar no dia a dia do automobilismo, o que precisa ser questionado é por que a FIA e a F1, mesmo sabendo disso, escolhem frustrar alguns tipos de manifestações políticas com a alegação de que a principal divisão do automobilismo seria “apolítica”. 

Grande parte das pessoas têm uma visão bastante negativa da política, em especial por causa de tantos casos de corrupção que se vêem nas instituições do Brasil e do mundo. Mas a política não se refere apenas ao Estado, ao governo ou às instituições políticas, como os partidos. A política está relacionada com relações de poder em vários contextos, como as relações entre homens e mulheres, grupos étnicos, estrangeiros e nacionais de um país, disputas e entre muitos outros exemplos. 

Quem acompanha F1 e outras grandes categorias de automobilismo sabe como elas são permeadas por disputas políticas. Por exemplo, a F1 tem resistência à entrada de novas equipes na categoria porque não quer dividir os lucros dela com mais times. As equipes menores tendem a votar na Comissão da F1 junto com os times que lhe vendem motores, o que prejudica o resultado do pleito. Também é inegável que as condições para um piloto entrar e permanecer na F1 envolvem, na maioria das equipes, vários fatores além de desempenho, mas também patrocinadores e até nacionalidade podem ser determinantes para o futuro de um piloto. Ademais, não se pode reduzir a explicação e até mesmo ser injusto com as gerações de pilotos brasileiras e dizer que não há pilotos tupiniquins na F1 atualmente por falta de talentos natos, pois há um amplo contexto de crise econômica nacional e internacional e também de falta de estrutura para que a maioria dos  pilotos possa fazer boas categorias de base.. E o mesmo pode ser dito da falta de mais  pilotos negros na F1 e da ausência  mulheres pilotos no grid desta, pois há barreiras visíveis e invisíveis que atrapalham esses grupos de avançarem ao topo da principalcategoria mundia de automobilismo.  

Considerando que a política faz parte do contexto da F1 e também está presente em todos os contextos da sociedade, a presença de Trump no paddock da equipe McLaren não quer dizer, necessariamente, um alinhamento político da equipe sediada em Woking com o candidato repúblicano à presidência dos Estados Unidos. Mas, não por acaso, em meio a tantos arranjos políticos e econômicos que a F1 e as equipes precisam traçar, a própria equipe inglesa disse que: “respeita o cargo de presidente dos Estados Unidos (EUA)”. Visto que não se sabe quem vai ganhar a eleição dos Estados Unidos, é normal que uma equipe de Fórmula 1 rejeite a aparição de um candidato à presidência dos Estados Unidos em seus boxes. Atualmente são três Grandes Prêmios da F1 nos EUA por ano, além disso a principal categoria do automobilismo está finalmente ganhando o mercado estadunidense, ter problemas com o poder central pode inibir empresas dos EUA a patrocinar equipes da F1. 

Tendo isto em vista, que a própria F1 lide extensivamente com política interna e externa (assim como qualquer outra categoria de automobilismo de razoável expressão), é incoerente que a FIA argumente, mesmo que de forma tácita, que não há espaço na F1 para determinadas manifestações políticas e/ou o automobilismo seja neutro na política. A questão é que a Federação quer decidir sobre o que os pilotos podem manifestar-se politicamente, e, nesse quesito, ela não parece estar disposta a permitir-lhes expressar sobre assuntos que ofendam seus patrocinadores ou os países-sedes da corridas. A F1, especialmente, sempre tendeu a ser um esporte elitista e conservador, basta pensar nos anos em que esta correu na África no Sul na época do Apartheid, quando este país sofria com várias sanções internacionais, inclusive isolamento diplomático e exclusão de eventos esportivos, como as Olimpíadas. Contudo, o desporto, de forma geral, sempre teve uma história de manifestação política em diferentes espectros. E essa tendência, mesmo que reprimida, deve continuar, ainda que em um contexto oligárquico como o da Fórmula 1 e do automobilismo em geral. 

A FIA e a F1 nunca foram “apolíticas”, elas estão constantemente em contato com a política institucional, com os próprios governos dos países que sediam as corridas; fazem política interna; e também com outros grupos da sociedade. É preciso que a Federação reconheça isso e esteja aberta para outras formas de expressão política que vão além das preferências dela própria. E essa diversidade pode ser muito positiva para a Fórmula 1, e não só em relação à liberdade de expressão –  exclui-se aqui, obviamente, manifestações que vão contra os direitos humanos. Mas pode trazer uma visibilidade para o automobilismo com um contexto de maior circulação de ideias, em que os pilotos que se dispõe a isso poderão ser mais autênticos, como eram em décadas passadas, e não apenas repetirão frases de assessores de imprensa.

Além disso, manifestações políticas que, porventura, sejam trazidas pelos pilotos ou outros membros das equipes podem tornar-se campanhas bem-sucedidas de equipes, por exemplo. Um exemplo é quando a equipe Mercedes  pintou o carro de preto nos anos de 2020 e de 2021, aderindo a campanha “Vida Negras Importam”. Isso amplia o debate e pode trazer lucros para a Fórmula 1.

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Ester dos Santos é mestranda em Ciência Política, na UnB, acompanha Fórmula 1 desde 2009 e ama falar de automobilismo, política e assuntos afins.

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