Eu nunca assisti Ayrton Senna na pista. Nem no autódromo de Interlagos e muito menos pela televisão de tubo do meu pai.
Na verdade, quando eu vim ao mundo, o Brasil lamentava o sexto aniversário da morte de um herói nacional. Em 2000 eu nascia, o Corinthians levantava a taça pelo título do primeiro Campeonato Mundial de Clubes organizado pela FIFA no Estádio do Maracanã e mais tarde assistimos em choque o ônibus da linha 174 ser sequestrado por Sandro Barbosa do Nascimento, que manteve por quatro horas dez reféns, no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.
O tempo passava e as coisas aconteciam, assim como é natural. Menos para o Brasil.
O Brasil estagnou numa memória sofrida de perda e sucumbiu aos questionamentos dos porquês e dos esês; por que o GP de San Marino continuou? E se ele não tivesse corrido, como já tinha demonstrado que desejava?
A verdade é que o povo brasileiro passou a questionar tanto a morte de Ayrton, pois não fomos capazes de desenvolver carinho no olhar para nenhum outro atleta. As pessoas, na época, temiam a substituição do imaginário que se criou sobre Senna, além do ciclo natural de idas e vindas de figuras emblemáticas, não ter colaborado para tal.
A jornada de herói do tri campeão brasileiro pôde ser acompanhada por milhões de pessoas e a ascensão dele foi uma história comprada, aplaudida e defendida por todo o país. Ver um paulistano do bairro de Santana vencer era como um alívio aos finais de semana, numa época que em nada colaborava para a vitória do brasileiro comum.
Apesar do semblante frio, Ayrton deixava escapar doçura aqui e ali. Ele era um homem transparente, acima de tudo; capaz de entregar falas polêmicas em entrevistas ou pensamentos autênticos a algum repórter no paddock. Fosse como fosse, ele era um cara do bem. Era simpático, destemido e enxergava as coisas com muita clareza, fosse condições de um carro ou condições da educação num país, por exemplo.
Ayrton Senna da Silva era isso: real. Talvez seja isso o que mais dói ao lembrar que o país o perdeu. Perdemos alguém que dizia coisas bonitas, como:
“A vocês todos que estão assistindo agora, eu digo que, seja quem você for, seja qualquer posição que você tenha na vida, do nível altíssimo ao mais baixo social, tenha sempre como meta muita força, muita determinação. E sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus. Que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá.”
E também alguém que confessava verdades assustadoras, como o medo de morrer.
Perdemos alguém que inundou o Brasil de alegria nos anos 80, sendo uma estrela de pele bronzeada no meio de um montante de europeu cara pálida. Um cara que, um dia após a derrota da Seleção Brasileira na Copa de 86, balançava a bandeira verde e amarela em Detroit, no Canadá.
Como quem diz: ‘Ei, a gente perdeu na grama, mas no asfalto a gente se garante!’
Que felicidade deve ter sido assistir Ayrton Senna. Nunca o vi correr mas sinto falta dele.
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Brenda da Rosa é estudante de Jornalismo pela UFRGS e opinóloga profissional quando os assuntos são: Fórmula 1, Comunicação, Política, Comportamento e Negritudes.
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