Vinícius Júnior e o problema do racismo em todos os esportes

Vini Jr. aponta para racistas que o insultaram no estádio (Jose Jordan/Agence France-Presse — Getty Images)

Apesar do título, este texto tratará do caso de racismo sofrido por Vinicius Jr. e atletas de diferentes esportes para demonstrar a importância do combate a todo tipo de discriminação nos desportes e na sociedade.

O que Vinicius Junior sofreu neste domingo, 21 de maio de 2023, é uma prova de que ser milionário, estar entre os melhores jogadores de futebol do mundo e jogar por um grande time europeu, não o impediu de sofrer uma discriminação racial tão humilhante e pública com transmissão mundial. Ao ser chamado de “mono” – macaco- pela torcida, e questionar, sofreu um mata leão dos colegas, revidou com um tapa e ainda levou cartão vermelho1. É necessário tirar como lição deste domingo, que é impossível ser neutro na política, pois não tomar posição, como alguns fizeram diante do ato de racismo cometido, já é posicionar-se. É necessário, urgentemente, tomar medidas eficazes de combate a essas práticas discriminatórias, inclusive no nicho do automobilismo.

Para Silvio Almeida2, o racismo é uma prática estrutural, da forma como, atualmente, estão constituídas as relações familiares, políticas, jurídicas, econômicas. Já está imbricado na cabeça das pessoas, pela forma que foram educadas nas suas relações raciais. Mas isso não significa que precisamos aceitá-lo! É preciso desmistificar isso, porque o racismo, inclusive, mata! O esporte, como o automobilismo e outros desportos, não escapa a essa lógica racista.

Mesmo nos esportes com maioria de praticantes negros, como futebol e basquete, os atletas ainda sofrem com discriminação e até atletas de alto nível sofrem constrangimentos inefáveis, como sofreu Vinicius Júnior, no domingo. O Brasil importa vários jogadores negros para os principais times do mundo e o próprio Real Madrid já teve grandes atletas brasileiros negros jogando na equipe. Entre eles, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho e Marcelo, mas que também não ficaram livres de sofrer racismo.

Nos esportes de elite, como o automobilismo, beisebol, frequentados, geralmente, por uma maioria branca, há poucos negros, fala-se pouco de racismo, e se quer acreditar que as barreiras são apenas econômicas para os negros entrarem. Mas há outras série de barreiras invisíveis, além das econômicas, os negros sofrem muitas discriminações, veladas ou não.

Grandes atletas negros de alto rendimento na história lidaram com o racismo de forma diferente, mas isso não quer dizer que não foram profundamente afetados por ele. Este é um tempo que o movimento negro está mais ativo e que os atletas negros são chamados a estarem de forma mais ativa e a lutarem por seus direitos.

O jogador de futebol Pelé e o jogador de basquete Michael Jordan foram criticados muitas vezes por seu silêncio em relação ao racismo. O rei do futebol participou de várias causas sociais, mas, em entrevistas, dizia que preferia ignorar os agressores racistas – o que pode ter lhe custado muito. Já atletas como o jogador de futebol americano Jim Crow, o pugilista Muhammad e o automobilista Lewis Hamilton marcaram suas carreiras com a luta contra o racismo. É uma luta difícil, e merece não só o apoio de fãs da carreira de atletas assim, mas do público em geral, de suas Confederações e da sociedade em geral.

Torcedores realizaram atos racista durante os testes no Circuito da Catalunha, em 2008 (Foto: Joanne Burnett/Getty Images)

O racismo no automobilismo manifesta-se tanto diretamente quanto indiretamente. Acontece diretamente em casos bem drásticos, quando os torcedores espanhóis, por exemplo, pintaram-se de preto em meio a rivalidade de Lewis Hamilton e Alonso em 2008.

Outro exemplo mais difícil de enxergar: todos podem ter suas preferências e torcida contra dentro do automobilismo, mas é extremamente normal que se ouça falar várias coisas diversas sobre multicampeões de F1, sejam Senna, Piquet, Alonso, Lauda, Verstappen ou Schumacher, mas nunca, pelo menos pelo público fiel, que são “fracos”, os números falam por si. Mas esse adjetivo é usado constantemente para se falar do heptacampeão Lewis Hamilton nas plataformas de mídias sociais: Isso é simplesmente um racismo disfarçado.

O racismo indireto vem desde a base do automobilismo, quando não abre oportunidades suficientes para mais pessoas negras estarem em posições de poder no paddock ou como pilotos. São as chamadas “barreiras invisíveis”, que costumam ir muito além de dinheiro, que impedem que pessoas de minorias sociais cheguem aos seus objetivos ou se mantenham neles. É o caso de Vinicius Jr, – no caso, futebol, mas serve de exemplo: Não foi fácil chegar ao Real Madrid. Ele é um rapaz negro que venceu inúmeras barreiras sociais, econômicas e raciais para chegar no time espanhol, mas pode necessitar sair da Espanha por causa do racismo.

Campanha “We Race as One”, da F1, que durou apenas um ano.

A prática do racismo é evidente e maléfica demais para que não se tome medidas sérias e urgentes contra ela no esporte e na sociedade. A Fórmula 1 tentou simular algum tipo de ação com o projeto We Race as One (Corremos como Um, numa tradução livre), em 2020 e 2021, mas foi um fracasso, porque foi muito mais discurso e propaganda do que ação. É preciso investir dinheiro e recursos, permitir a contratação de cada vez mais minorias para trabalhar na F1 – o que de forma nenhuma diminui o mérito, só aumenta a diversidade – e, sobretudo, aumentar a conscientização do paddock, imprensa, público e patrocinadores sobre os danos do racismo e discriminação contra minorias e benefícios de se ter uma sociedade e automobilismo mais plural e diversos.

Com a leitura atenta de Deborah Almeida, do Boletim do Paddock.

1 Protestos do governo brasileiro, no Brasil e pelo mundo, levaram o cartão vermelho ser anulado e o juiz ser demitido.

2 ALMEIDA, S. . Racismo estrutural. [Structural Racism]. São Paulo: Pólen, 2019. 264 p. ISBN 978-85-98349-75-6

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Ester dos Santos é mestranda em Ciência Política, na UnB, acompanha Fórmula 1 desde 2009 e ama falar de automobilismo, política e assuntos afins.

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