[…] Ao longo do ano, ele somou vitórias e pódios importantes — por exemplo a vitória no Monaco Grand Prix…

No final de semana do GP da Áustria de Fórmula 1 de 2024, Yuki Tsunoda recebeu uma multa de quarenta mil euros por ter chamado outros pilotos no rádio de “retardados”. Houve grande discussão nas mídias sociais e na imprensa sobre se a punição foi justa, pois é comum os pilotos esbravejarem xingamentos durante as corridas. A grande questão é que a ofensa foi capacitista, ou seja, houve preconceito contra as pessoas com deficiência (PCDs), o que não deve haver no esporte e a F1 deve ser modelo de respeito e inclusão, até para que todos os talentos possam ser aproveitados.
Os comissários consideraram também ao dar a punição as alegações do piloto japonês da Racing Bulls (que se desculpou posteriormente) de que a língua inglesa não é seu primeiro idioma e que este ficou “horrorizado” quando descobriu o significado da palavra. Quando Tsunoda disse que não sabia o significado da palavra “retardado” em inglês, provavelmente não estava dizendo que não sabia o significado literal na tradução. Logo, ele deveria estar dizendo que não compreendia o significado capacitista do xingamento. Pois o capacitismo é um pensamento social e nem sempre as pessoas o percebem.
Visto desta forma, o preconceito contra PCDs está presente de forma sutil na sociedade. Tanto que é comum ouvir expressões no dia a dia como “Eu fingi demência”, “mongol” – lembrar que o piloto da Red Bull Max Verstappen foi investigado no GP de Portugal em 2020 por ter chamado da Lance Stroll, piloto da Aston Martin, de mongol, mas à época, não houve punição – entre outras afirmações, infelizmente, frequentes. Além disso, o capacitismo envolve, principalmente, ações preconceituosas contra PCDs.
Tendo isso em vista, não se deve admitir o capacitismo no esporte porque por si só fere os direitos humanos. Todavia, o capacitismo é uma barreira para o esporte a motor, assim como o racismo e o machismo neste e em qualquer outro esporte. Para efeito de comparação, é indiscutível que o racismo é uma problema no futebol e o jogador brasileiro Vinícius Júnior não tem medido esforços para combatê-lo. É evidente que se os negros não jogassem futebol perderíamos uma infinidade de talentos. Logo, é o que acontece no automobilismo quando se dá pouco acesso às minorias.
Isto é, na principal categoria de automobilismo há apenas um piloto negro na sua história, o heptacampeão Lewis Hamilton. As mulheres, por sua vez, não correm na F1 há décadas. Kubica, outrossim, único piloto com deficiência a participar da categoria, chegou a pontuar, mas não teve um carro realmente competitivo. Há várias barreiras invisíveis e materiais que impedem o avanço das minorias até chegar ao topo do automobilismo mundial. Contudo, preconceitos contra as minorias impedem que ações sejam tomadas para que mudanças sejam efetuadas.
Apesar disso, é possível ver pessoas com deficiência em outras categorias além da Fórmula 1. O próprio piloto Robert Kubica tem feito uma carreira consistente na WEC. Além de Alessandro Zanardi, também outro ex-piloto de Fórmula 1 que competiu em provas de turismo em carros adaptados e chegou a ganhar corridar e a fazer pódio em campeonatos de WTCC. Em suma, os talentos estão distribuídos entre diversas categorias de pessoas. Ser anticapacitista e estar disposto a propor formas de adaptação e de vencer as barreiras invisíveis que impedem que as pessoas com deficiência pratiquem mais automobilismo e alcancem lugares mais altos no esporte pode garantir mais desportividade e mais uma safra de bons talentos.
A F1 é a principal categoria do automobilismo mundial e serve de inspiração para todas as outras e, logo, deve estar na vanguarda do resguardo do respeito aos direitos humanos. Por isso, diversificar a base do esporte a motor de forma anticapacitista vai elevar o automobilismo a novos níveis não apenas de tecnologia, mas de desporto e de geração de novos pilotos. Além de emitir punições contra preconceito, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) precisa lançar campanhas educativas e propostas para que mais minorias alcancem o topo do esporte a motor. Equipes da base do espirte a motor devem incluir pilotos com deficiência. Todos na comunidade do automobilismo como torcida, equipes, pilotos e imprensa devem respeitar e estimular a presença de PCDs no automobilismo e fora dele.
___________________________________________
Ester dos Santos é mestranda em Ciência Política, na UnB, acompanha Fórmula 1 desde 2009 e ama falar de automobilismo, política e assuntos afins.
Excelentes observações da Autora sobre o acesso ao esporte totalmente limitado nichado
Excelente, Ester!
E, usando suas próprias palavras, toda e qualquer atividade esportiva “deve estar na vanguarda do resguardo do respeito aos direitos humanos”, tendo a diversidade como um objetivo social importantíssimo.
Achei justa a punição, até como forma de educação aos profissionais e ao público.
Grande abraço.
O texto oferece uma análise bem fundamentada e necessária sobre a punição de Yuki Tsunoda e a questão do capacitismo no esporte, especialmente na Fórmula 1. A clareza com que aborda a importância do respeito e inclusão das pessoas com deficiência (PCDs) é notável. Além disso, destaca de forma eloquente como o preconceito, mesmo que sutil, pode impactar negativamente a diversidade e a riqueza de talentos no automobilismo. O autor faz paralelos pertinentes com outros tipos de discriminação, enfatizando a necessidade de ações concretas e educativas por parte das entidades responsáveis para promover um ambiente mais justo e inclusivo. Este texto é um chamado importante para reflexão e mudança, reafirmando o papel crucial da F1 como modelo de respeito aos direitos humanos no esporte.