A contradição da FIA: A neutralidade apontada e seus posicionamentos selecionados

Ben Sulayem, presidente da FIA, e Donald Trump, então candidato à presidência, no GP de Miami de 2024

A postura da FIA, historicamente, tem sido de neutralidade política, mas recentes acontecimentos têm exposto uma série de contradições que desafiam essa imagem de imparcialidade. A FIA sempre alegou que a Fórmula 1 deveria ser um espaço livre de manifestações políticas, no entanto, as ações da entidade, especialmente no que diz respeito a Lewis Hamilton e suas declarações, levantam questões sobre a real consistência dessa postura.

Em 2020, durante um movimento global contra o racismo, Lewis Hamilton, um dos maiores ícones da Fórmula 1, tentou usar sua plataforma para lutar contra a injustiça social. O piloto, após a morte de George Floyd e o crescente movimento #BlackLivesMatter, vestiu uma camiseta com a frase “Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor” após vencer o GP da Toscana. Porém, a FIA, seguindo suas diretrizes “apolíticas”, não apenas o investigou, mas também impôs restrições severas aos pilotos que desejassem se manifestar politicamente, alegando que isso violava as regras de neutralidade da organização.

Crédito de imagem: Reprodução

A resposta da FIA foi clara: questões políticas não deveriam ser trazidas para o ambiente da Fórmula 1, o que gerou grande controvérsia, principalmente em um momento onde o mundo inteiro se mobilizava por justiça social. A alegação da FIA de que a Fórmula 1 deveria ser apolítica e, portanto, Hamilton deveria se abster de manifestações sobre racismo e injustiça social foi amplamente criticada. Essa postura parecia ignorar que a luta contra o racismo não é uma questão partidária, mas sim uma questão de direitos humanos universais.

Em um movimento claro de repressão a qualquer tipo de expressão política, a FIA estabeleceu uma regra que impõe aos pilotos o uso de macacões totalmente fechados durante as cerimônias de premiação e entrevistas. Isso visava garantir que qualquer manifestação política fosse desencorajada, enquanto a entidade se esforçava para preservar sua imagem “neutra”. No entanto, essa postura não parece ser aplicada de forma consistente.

Agora, em 2024, a situação ganhou novos contornos. O presidente da FIA, Mohammed Ben Sulayem, parabenizou publicamente o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em um ato claramente político, visto que envolve o reconhecimento e apoio a uma figura partidária. 

O presidente da FIA, Mohammed Ben Sulayem, declarou: “Parabéns ao @realdonaldtrump por uma campanha difícil e disputada. Os Estados Unidos sempre foram pioneiros na indústria automotiva e continuam a ser uma área chave de crescimento para o esporte a motor. Estou ansioso para ver as iniciativas do presidente nesses espaços e para trabalhar ao lado dele para garantir um futuro forte para o esporte a motor e a mobilidade, tanto nos Estados Unidos quanto globalmente.”

Crédito de imagem: Mohammed Ben Sulayem via Instagram

A situação gera um contraste flagrante com a postura adotada em 2020, quando a FIA impôs restrições a Hamilton por ele tentar usar sua visibilidade para promover uma causa social. Ao mesmo tempo em que a FIA afirma ser apolítica, o presidente da organização se envolve diretamente com posicionamentos políticos, algo que abre um debate sobre a real neutralidade da FIA.

Essa situação revela a falha na aplicação das suas próprias regras e questiona a transparência da FIA ao definir o que é “político”. Se apoiar a justiça social e lutar contra o racismo não pode ser considerado político, como justificar que a entidade permita declarações públicas de apoio a um líder político? Por que a FIA permite que seu presidente se envolva com política partidária, mas restringe um dos seus maiores ícones de se posicionar sobre questões sociais fundamentais? Isso sugere uma aplicação seletiva das regras da FIA, dependendo do contexto e da pessoa envolvida.

Além disso, a situação coloca em pauta a real postura da FIA em relação à política. A entidade parece tentar evitar qualquer tipo de controvérsia política, especialmente em relação a patrocinadores e a imagem da Fórmula 1. No entanto, ao se envolver em declarações de apoio a figuras políticas, a FIA demonstra que, em última análise, sua postura apolítica pode ser uma conveniência dependendo da situação.

Por fim, a FIA parece estar em um dilema sobre qual deve ser sua verdadeira posição em relação à política. Enquanto impõe restrições rigorosas às manifestações políticas dos pilotos, ela se permite envolver-se com questões políticas quando isso favorece suas próprias necessidades institucionais. Isso levanta a questão: a FIA realmente é apolítica, ou ela simplesmente escolhe quando e como se posicionar conforme a situação lhe convier?

Essa contradição expõe a hipocrisia da organização e nos faz questionar a seriedade de sua postura em relação à neutralidade. No final das contas, a verdadeira neutralidade da FIA continua sendo um mistério, com decisões que variam dependendo do que está em jogo.

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Meu nome é Lívia Martins, tenho 18 anos e sou estudante de Ciências Sociais impulsionada pela interseção entre Fórmula 1 e Feminismo Negro. Os esportes não são apenas competições físicas, mas reflexos fiéis da sociedade em que estão inseridos. Ao mergulhar nas corridas, percebo a necessidade de ampliar vozes femininas e negras neste universo na busca por inclusão e igualdade em um esporte historicamente dominado por homens.

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