No fim de semana do GP de Portugal de 2020, o piloto da Red Bull, Max Verstappen, chamou o piloto da Aston Martin, Lance Stroll, de “mongol”, após um toque entre os dois na pista. E, no GP da Áustria de 2022, o comentarista belga de F1, Lionel Frossart, do canal RTBF – que também faz a transmissão de F1TV francês – chamou Lance Stroll de “um autista que não sabe nada sobre carros”.
Frossart manteve sua opinião, mesmo após ter sido repreendido, ao vivo, pelo comentarista Gaetan Vigneron. Lionel foi suspenso da RTBF e está sendo investigado pela atitude. A ausência de pessoas com deficiência (PcD) no grid da F1 e esses insultos a Lance Stroll mostram o preconceito da categoria com esse grupo e o despreparo do esporte a motor para incluí-los.
Segundo a doutora em antropologia Debora Diniz, no livro “O que é Deficiência”, deficiência é uma forma diferente de viver a vida, apenas uma das diferentes possibilidades de existir. Nessa mesma linha de pensamento, a Academia Brasileira de Letras (ABL) define o capacitismo como “1. Discriminação e preconceito contra pessoas com deficiência. 2. Prática que consiste em conferir a pessoas com deficiência tratamento desigual (…), baseando-se na crença equivocada de que elas são menos aptas às tarefas da vida comum.” Os adjetivos de “mongol” e “autista” dados a Lance Stroll, demonstram o preconceito em participantes do contexto do esporte a motor com relação a PcDs. “Mongol” é um termo tanto capacitista como xenofóbico, em relação aos cidadãos da Mongólia. E, cabe ressaltar, autismo e síndrome de down não são doenças, são condições e não se busca cura para elas, o que há é tratamento para a melhoria de vida.
A F1 é considerada o auge do automobilismo, com atletas de alto rendimento e não tem apresentado grandes esforços para incluir PcDs, que também poderiam ocupar o grid e dar bons resultados nas pistas. Não se argumenta, aqui, obviamente, que qualquer piloto PcD poderia ocupar a categoria, mas que vários talentos poderiam ser aproveitados, se tivessem mais oportunidades desde cedo.
Como exemplo de superação, se pode citar o ex-piloto Zanardi, que foi piloto da F1 e também da Indy antes de sofrer um grave acidente, em 2001, nessa categoria americana, que lhe fez perder ¾ do sangue e ficar paraplégico. Em 2003, Zanardi voltou ao local de seu acidente para terminar as 13 voltas finais da última corrida que ele havia feito. Ele realizou a experiência muito bem e, a partir de 2004, competiu em várias categorias, como o Campeonato Europeu de Turismo , o WTCC (obtendo quatro vitórias e dez pódios) e as 24 horas de Spa. Zanardi é bem conhecido também pelas medalhas que conseguiu como atleta paralímpico. Outro exemplo de piloto com deficiência é Nicolas Hamilton, irmão do heptacampeão Lewis Hamilton. Nicolas teve paralisia cerebral ao nascer, mas, hoje, compete no British Touring Car Championship.
A questão é que as PcDs, dificilmente, recebem oportunidade e o apoio necessário desde cedo para competir nas categorias de base e se tornarem pilotos competitivos para adentrarem a Fórmula 1. Essas ofensas a Lance Stroll são, também, expressões de preconceito e da crença de que PcDs não podem ocupar o esporte a motor. Da mesma forma que mulheres que escolhem ser automobilistas podem sofrer descrédito da própria família, patrocinadores, equipes, pilotos, imprensa e público em geral sobre seu desempenho, as PcDs também enfrentam esse desafio.
A campanha “We Race as One” (“Nós corremos como Um”, em uma tradução livre), feita para incluir minorias na F1, não está sendo ineficaz apenas para minorias raciais e de gênero, mas parece ser ainda menos prestativa e propositiva para PcDs. Essa é uma luta não só das PcDs e as famílias delas, mas de toda comunidade do esporte a motor.
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Ester dos Santos é mestranda em Ciência Política, na UnB, acompanha Fórmula 1 desde 2009 e ama falar de automobilismo, política e assuntos afins.
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