A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) tem causado polêmica ao instituir normas para restringir o direito fazer manifestações políticas nos campeonatos em que ela organiza. Logo, houve várias declarações de pilotos e figuras da categoria contra ou a favor da decisão da FIA, e é possível observar que as opiniões sobre a postura da Federação são bem oscilantes para muitas figuras importantes da categoria, a depender da conveniência. A Fórmula 1 quer passar uma ideia de suposta neutralidade no esporte, quando, assim, as próprias opções e escolhas políticas.
Em 2020, na efervescência de atos de racismo pelo mundo e do Movimento Black Lives Matters – Vidas Negras Importam -, a F1 lançou o Programa “We Race as One’’ – Nós Corremos como Um, em uma tradução livre. Essa era a plataforma Social, de Meio Ambiente e de Governança Corporativa da F1. Houve muita propaganda, mas sem efetividade. O GP da Áustria, em julho de 2022, conteve muito assédio sexual, homofobia, racismo. O heptacampeão Lewis Hamilton na época se manifestou: É hora de ação. “We Race as One” foi tudo de bom, mas foram apenas palavras. Na verdade, não fez nada. Não havia financiamento para nada, não havia programa para realmente criar mudanças e desencadear essa conversa. Definitivamente (precisamos) utilizar nossas plataformas. Mas nós realmente temos que intensificar e realmente começar a colocar em ação algumas das coisas que estamos dizendo. Apenas dizer (palavras), não é suficiente. É inaceitável. Não é o suficiente”,
A mobilização veio de outras partes. A Mercedes, incentivada por Hamilton, em 2020 e 2021, pintou seu carro de preto em homenagem à campanha de antirracismo. Outras equipes fizeram campanhas de diversidade, como Ferrari e Renault, para selecionar meninas para a categoria de base. O primeiro piloto negro de Fórmula 1, Lewis, também copiou a atitude de Colin Kaepernick – jogador de futebol americano – de ajoelhar-se em protesto enquanto o hino nacional dos países era tocado. Alguns outros pilotos – poucos – faziam isso, como Bottas, Lance Stroll, George Russell, Mick Schumacher, entre outros. Muitos achavam melhor não se posicionar. Os destaques desse campo político ficavam para Vettel e Hamilton, que eram firmes nas mais diversas causas de direitos humanos e meio ambiente, inclusive nos países de extremismo religioso e de ditadura militar.
Em dezembro de 2022, o presidente da FIA, Ben Sulayen, determinou que não todo tipo de manifestação política ou religiosa no âmbito das categorias organizadas pela Federação deveriam ser previamente autorizadas para promover o princípio da suposta neutralidade. Segundo ele, os pilotos são muito bons em correr, deveriam fazer isso. E ele não gostaria que ninguém usasse a categoria em função de sua agenda privada. Em fevereiro de 2023, após muitas polêmicas, a FIA flexibilizou o comando, dizendo que os pilotos poderiam expressar suas opiniões políticas, religiosas e pessoais no seu contexto e fora das competições. Mas em pódios, hinos nacionais e atividades oficiais estavam proibidos, exceto em casos excepcionais.
A problemática é o que a FIA escolhe punir. Não existe agenda neutra. Não se posicionar já é se posicionar. Não dizer nada a respeito da situação da situação de um país já é uma forma de se posicionar de alguma forma. A forma como a F1 chegou, em 2011, por exemplo, no Bahrein, mostrando todo seu glamour e capitalismo, e sendo hostil às manifestações da população que vivia no local e estava no processo de Primavera Árabe e não lhe queria ali era um posicionamento político muito nítido. A Fórmula 1 escolheu não punir os pilotos como Sérgio Perez e outros que fazem piadas machistas dizendo que mulheres devem pilotar fogões, por exemplo, mas escolhe punir pilotos antirracistas e ambientalistas.
Junto a tudo isso, a punição isso, a punição esportiva é uma das provas mais cruéis da intolerância no disfarçada de neutralidade. A punição com multa já seria vergonha, mas a punição esportiva que varia desde advertência a expulsão, passando por penalização no grid, faz com que essa restrição de liberdade de expressão possa trazer grandes perdas para o esporte. Segundo o heptacampeão Lewis Hamilton, vencedor de 103 corridas: “Não me importo se não ganhar outra corrida, vou falar sobre essas coisas, quer as pessoas gostem ou não”. Punições esportivas são totalmente injustas porque interferem no esporte, instituem uma ditadura e querem esconder que esporte e política sempre serão indissociáveis.
_______________________
Ester dos Santos é mestranda em Ciência Política, na UnB, acompanha Fórmula 1 desde 2009 e ama falar de automobilismo, política e assuntos afins.
O texto é muito bom e coloca pontos importantes em discussão, mas eu concordo totalmente com o presidente da FIA. O evento sancionado por ela (assim como os demais) não tem que ser plataforma pra manifestações politicas independente de quem seja e qual vertente politica. As pessoas que sai de casa e pagam ingressos caríssimos assim como o telespectador querem assistir uma corrida para buscar um pouco de entretenimento por duas horas e esquecer os problemas pessoais e do mundo. O espectador não quer ver proselitismo político e pilotos levantando bandeiras que podem muito bem fazer em suas redes sociais e entrevistas para a imprensa fora do ambiente de corridas, autódromo é lugar para o automobilismo e não pra fazer protesto que não leva a lugar nenhum independente da bandeira.
É muito fácil ficar bancando o engajado nas causas sociais usando a plataforma alheia sendo que existe vários meios de passar sua mensagem e atingir as pessoas, inclusive fora da bolha do automobilismo.