[…] Ao longo do ano, ele somou vitórias e pódios importantes — por exemplo a vitória no Monaco Grand Prix…
Linhas do afrofuturismo baseadas na educação e sua via para o sucesso e autoconfiança

Como uma entusiasta da ocupação de espaços, não posso passar por essa coluna sem conversar sobre educação.
Já se tornou banal o mau emprego do sistema educacional e as críticas ocorrem corriqueiramente. Bem, mas o que isso tem a ver com F1?
Não responderei com “tudo” pois seria mentira. Ainda mais por estarmos falando de uma comunidade que seletivamente ri quando descobrem que existem pilotos que nunca terminaram a escola.
Assim, nos livrando dessa parcela, podemos entender que a educação é um pedaço importantíssimo para o sucesso dentro da comunidade automobilística.
O ativista afro-americano, Malcom X, dizia que a educação é o passaporte para o futuro pois o amanhã só pertence aqueles que se prepararam. Em resumos, o ensino é um elemento importante para a criação de uma identidade. Trata-se de um aprendizado que influencia desde cultura ao auto-respeito, moldando o indivíduo em cada passo de sua vida.
Logo, se pensarmos como Malcom, o diferencial se dá quando esse indivíduo é participante de uma minoria. E, aqui, temos a luta pelos direitos humanos. De fazer parte.
Já usual, pessoas com menos condições precisam de maiores sacrifícios para alcançar meios burgueses. Neste ponto entramos no automobilismo.
Para muitos é complicado visualizar a educação como uma aliada em um processo desafiador e elitista, dado o esforço duplo em focar em buscar uma oportunidade e se qualificar para tal.
Há um mundo multipolar dentro da comunidade automobilística, com tantas áreas e profissões, para cada uma delas é necessário preparo, que pode vir a ser falho quando os meios corretos não são apresentados, aumentando a frustração que já é natural no dia a dia daqueles que não fazem parte da parcela privilegiada.
Durante minha visita ao Paddock da Fórmula 1 do GP Brasil como uma estudante, selecionada pelo projeto FIA Girls On Track, ouvi e observei como haviam muitas mentes diversas trabalhando lado a lado para aquele fim de semana acontecer. Logo eu, alguém que precisa redobrar seus esforços, enxerguei que ocupar aquele espaço também me pertencia.
Momentos como o que tive no dia 2 de novembro de 2023 intensificaram meus sonhos e de outras mulheres, que também acreditam no automobilismo como via para suas carreiras. Diferentes classes, entendi que meu diferencial seria meu modo de enxergar diante daquela oportunidade. Naquele dia, fui como a futura jornalista que serei, limitando minhas reações pessoais como fã quando via lendas passarem na minha frente – um ponto que o projeto destacou a cada segundo, para olharmos para as profissionais que queríamos nos tornar. Haviam outros dias para ser fã e apenas um para entender como e o que me levaria até aquele Paddock novamente.
Projetos como o Mission44, fundado pelo multicampeão mundial Lewis Hamilton, levam empoderamento para crianças desfavorecidas a fim de fazê-las acreditarem no futuro. Em viver um futuro, seja no automobilismo ou fora dele. Foi incrível se deparar com os vídeos nas redes sociais do projeto e ver o Brasil representado pela Uneafro, uma ONG do Movimento Negro, situada em São Paulo, que luta pela educação popular. Resumindo toda a ação, uma frase dita por uma participante pode definir absolutamente tudo: “Não precisamos de mídias, precisamos ocupar espaços!”
Vale ressaltar que, quando se fala em educação, também estamos falando de inclusão. Oportunidades iguais ainda são um desafio, com minorias excluídas de cargos de liderança ou nem mesmo participantes do sistema. Nunca será confortável olhar as fotos de fim de ano das equipes e notar que não há uma pessoa não-branca entre os membros, quando existem seres prontos para entregarem o melhor de suas vidas, mas ainda assim, graças ao preconceito, são enxergadas como inferiores. Em algumas mentes, a população esquece que a segregação racial já existiu e que a educação também já foi parte, deixando vestígios até os dias atuais.
Diariamente, não é usual que a palavra “privilégio” esteja associada a pessoas negras quando se demorou a entender que tal comunidade também era digna da educação. Mas, ainda hoje, essa mesma comunidade é tomada por indivíduos que não sabem ler, vítimas da desistência pois haviam outras necessidades. A necessidade de sobreviver fez com que muitas famílias, geração após geração, não soubessem o que era educação. E, prontos para quebrar esse ciclo, muitos estudantes negros lutam para ocupar as universidades e ao conseguirem, celebram a vitória pela sua família, se consagrando o primeiro a ingressar no meio acadêmico. Essa permanece sendo a realidade de muitas famílias brasileiras.
O automobilismo é uma bolha repleta de privilegiados, aqueles que nunca precisaram usar pneus velhos de outros pilotos, abraçados pela velocidade do kart e incentivados com as melhores peças. No topo, é comum enxergar que os mais afeiçoados a elite pouco falam das camadas sociais que os cercam, sobre os outros pilotos tão bons ou melhores que eles que não ocupam tal espaço porque não haviam meios de sustentar suas trajetórias. Isso não se caracteriza como falta de ensino, mas sim consciência.
Existe uma massa social que acredita que está tudo bem o afastamento dos meios de ensino se o enriquecimento no esporte for garantido, quando a realidade é que grande parte dessa parcela cresce sem uma consciência social. E por falta dela, pouco acrescentam na sociedade que os assiste ideias relevantes. A única garantia dessa prática é: o estímulo da perda de confiança na formação do que é ser ser humano.
Na Fórmula 1, estamos acostumados com as pequenas doses de intenções sociais, como as campanhas pouco originais contra o racismo. Pouco vistas com seriedade. Em 2020, o piloto 44 da Mercedes já havia levantado a pauta de encorajar sua categoria na luta anti-racista. E, claro, pouco bem recebido foi.
Discursos promovidos por um Relações Públicas não são e nunca serão suficientes para alimentar uma luta da maneira que ela realmente precisa. Por isso, a pauta de inclusão e diversidade no automobilismo não pode se limitar apenas a frases prontas. São necessárias ações que impactem – pouco feitas, pois revoluções servem para mudar a estrutura social e para um sistema embranquecido seria nada funcional.
Ao retomar a ótica seletiva que ri de pilotos que não terminaram a escola, se percebe que nunca haveria a mesma reação com um outro membro desse universo, ainda mais se ele fosse negro e escalado em um alto cargo. Com isso, temos uma hipocrisia na comunidade automobilística que não acabará enquanto sustentá-la ainda for lucrativa – engraçado.
Diante de tudo isso, a exclusão ao longo da vida de uma pessoa não-branca, vítima da pouca infraestrutura e defasagem educacional, sofre com o racismo e suas manifestações sistemáticas. Em diferentes áreas, a comunidade negra é oprimida e afastada dos modos de evolução, sufocando qualquer tentativa de ampliar as oportunidades que levarão mais deles àquele mundo.
Incrivelmente desafiador mas simples, muitas pessoas só necessitam de uma estrutura que acreditem no potencial delas, no tempo usado para alcançarem tal patamar.
A dificuldade de aceitação não vem de quem lutou para se educar, mas daquele que insiste na superioridade como meio de ‘autodefesa’.
Sendo essa ‘autodefesa’ nada mais do que medo. Medo da potência reprimida e sua dimensão quando se trata de quebrar estigmas.
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Carioca nascida na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Laiza Villaça é uma aspirante a estudante de jornalismo de 20 anos influenciada pela cultura afro e viciada em velocidade. F1 é seu esporte favorito desde quando acordava cedo na casa de sua avó e assistia as sessões sem saber exatamente o que acontecia. Inspirada pelo realismo, propõe uma dose de desafio e reflexão em parágrafos, combinando competição e sensibilidade.
Belíssimo, Laiza! 🥺