Mundial, mas nem tão social

Influências e seus tons de consciência.

“Vamos escolher o respeito.”  (Foto: GettyImages) 

Em mais uma de minhas divagações, busquei entender o que me emociona em relação ao automobilismo.  

Casualmente, não sou alguém que de prontidão sabe reconhecer marcas de carros e catalogar cada uma, nem mesmo entendo tanto de mecânica ou aerodinâmica. Mas me interesso. Sendo eu envolvida pela arte da escrita, como essa coluna representa, sou uma telespectadora que precisa compreender entrelinhas, sejam elas emocionais ou técnicas, a respeito da categoria a qual sou afeiçoada.

Posso dizer que o que mais me prende ao automobilismo é a síntese de insanidade e realismo. Sim, dois antônimos.

Enquanto a insanidade nos cativa durante uma volta, vidrados em uma caixa veloz que promete nos fazer felizes ou tristes, um piloto segura o volante como se sua vida dependesse disso. E não depende! Mas a insanidade reativa a sensação de que aquilo precisa acontecer, há um traçado a ser trilhado.  

Logo, o realismo acontece no segundo que a bandeira quadriculada surge, anunciando que todos os sentimentos reprimidos voltarão com força. Haverá um choque, de maneira a flutuar como onda e nos fazer entender que não foi daquela vez que o topo do pódio foi alcançado. E que uma nova chance acontecerá na semana seguinte. 

Juntando tudo que o esporte me desperta, aprofundei minhas opiniões e conhecimentos sobre a comunidade automobilística que me envolvia, compreendendo como falar de diversidade seria meu ponto central. Por isso, levo a mensagem de que aumentar a inclusão não significa reduzir padrões. 

E toda essa divagação se entrelaça a tese desse texto: o quão impactante é a participação? 

Acredito que faz sentido citar a palavra “esperançar”, que vista pelos olhos dos educadores Paulo Freire e Bell Hooks simbolizava o ato coletivo de se conscientizar e reagir a um tipo de comunidade que busca modos de inferiorizar por demandas de um sistema altamente privilegiado. Precisamos de mais disso quando se olha para a velocidade com tanta paixão. 

Grande parte da comunidade não são atletas, distantes da realidade de um piloto e muitos nem mesmo já viram um carro de F1 pessoalmente, mas contribuem na construção seja de maneira estética ou puramente banal sobre o esporte. Embora fora de um autódromo, também somos parte da construção do universo automobilístico que, constantemente, está contribuindo para algo, sendo isso benéfico ou não. 

Ao ler uma notícia, como muitas são divulgadas nos portais informativos como o Blog Fórmula 1, por exemplo, é comum formar uma opinião sobre elas. Ainda mais comum é o compartilhamento de pensamentos.  

A partir disso, se seu comentário será uma pura ignorância, o problema não está na notícia mas em sua participação que reproduz a mediocridade. Como de costume, muitos olham para a Fórmula 1 de maneira básica ao ver a categoria como um entretenimento de domingo quando muitas coisas estão acontecendo. Notícias que giram em torno de relações internacionais e seus conflitos afetam a corrida; uma mudança brusca climática afeta a corrida; o mau preparo da pista afeta a corrida. Então, por que se insiste em negar a existência de questões sociais? 

A cada mudança de continente, embarcamos em um diferente clima e fuso horário, lutando para nos manter acordados. E todo esse esforço se resume a ser… um idiota nas redes sociais ao fim do dia. 

É comum que, durante conversas com outros fãs de Fórmula 1, a gente encontre pessoas contando suas experiências e, em algum momento, um ponto negativo aparecerá. Ataques já foram normalizados como modos de torcida até mesmo quando a categoria se pronuncia. Logo, aqui se encontra a participação, a atividade que possui consequências em massa, já que passa de geração para geração e atormenta grupos minoritários quando buscam viver suas próprias participações.  

Mundialmente famosa, a série documental Drive to Survive carregou uma nova onda de fãs, despertando curiosidade pela categoria. Sendo este um exemplo sobre um meio de acesso que busca enturmar o público de diferentes localidades e condições, ainda existem aqueles que se irritam com a nova geração e sua maneira de descobrir coisas novas. Imagine ser tão amargurado a ponto de atacar alguém que conheceu o esporte pela Netflix? Ou por uma edição que circula pelas redes sociais? Vivemos em uma época em que toda a ascensão da Fórmula 1 é trilhada midiaticamente, difundindo suas novidades no mesmo segundo – fazendo jus ao seu histórico de rapidez.  

Pouco realmente aproveitada, a plataforma que reúne 20 pilotos e um troféu peca em ser uma motivadora de mudanças ao negar sua influência em certos assuntos – aqueles que não são totalmente brancos. Assim, se cresce a limitação entre importantes figuras das pistas em levar conscientização, mantendo-se o desinteresse em questões que fujam do pessoal.  

Em meios de competição, que se conhece a história predominantemente branca por trás, mostram como muitos estão satisfeitos de como as coisas prosseguem, assim como há aqueles que pregam o quão difícil é mudar um sistema como este. Abordagens como essas, totalmente derrotadas, não ajudam na luta pela mudança já que são apenas reclamações sem ações.  

Uma vez dito pela ativista e escritora negra Maya Angelou, existem momentos em que quando se tem consciência de que o sistema está pecando, precisamos primeiramente mudar a nossa atitude antes de mudá-lo.  

Aqui está o grandíssimo mistério: é o público da Fórmula 1 um reflexo de sua direção? Quantos dentro e fora das pistas estão realmente se importando em comandar bons exemplos? 

Bem, não é aqui que o técnico será reproduzido, com seus dados e pontuações como se alguém realmente estivesse empolgado com mais uma etapa da hegemonia da Red Bull. Aliás, a oportunidade de escrever em uma coluna como essa e levar a comunicação social, é um modo de conscientização. Se somos apaixonados por Fórmula 1, por seus diferentes circuitos e seu lindo campeonato mundial, isso também é sobre sociedade. Não há esporte sem sociedade.  

Ainda vivemos em uma geração que consome certo tipo de piloto, que fora das pistas, diz em bom tom que não assiste ou lê as notícias sobre as atualidades do mundo porque não quer que isso estrague seu humor. Com este pequeno trecho já dá para resumir mais da metade do grid e suas responsabilidades em levar a sério o conceito global de seu esporte. Não inteiramente entregue, as sementes plantadas pelo heptacampeão, Lewis Hamilton, com seus protestos pelos direitos humanos, podem florescer juntamente das ideias dadas pelo ex-piloto de F1 alemão, Sebastian Vettel. 

Olhe para casos como o de Christian Horner, o chefe da atual equipe campeã, que assediou uma funcionária e quem foi demitida, foi ela. Pouca transparência, segurança e justiça, são características de um ambiente opressor. Pautas ignoradas como o machismo no automobilismo são acobertadas por iniciativas de fazer o mínimo, que é oferecer oportunidades igualitárias de competição. Como sempre, ao buscar veículos de informações, nós encontramos posicionamentos graves como a falta de empatia e até mesmo conspirações contra a vítima. Nada confortável. Nada combatido.  

Por consequência de sua pouca vontade de olhar para além de homens brancos, a Fórmula 1 cultiva preconceitos e seu público absorve como se o verdadeiro esporte fosse assim. A banalização é desastrosa em escalas globais – essa última palavra estampada ao lado do título ‘campeonato’. Pergunte a qualquer mulher que você conheça que também goste de velocidade sobre como ela se sente com o ‘caso Horner’ e verá que a resposta já está nesse texto. Além disso, pergunte como uma pessoa negra se sente ao abrir alguma postagem que cite o sobrenome ‘Hamilton’ e encontrar emojis de macaco. Volte dois artigos atrás dessa coluna, lá estará sua resposta.  

Estamos, realmente, tendo sucesso no processo de tornar a comunidade automobilística segura para qualquer pessoa? Ou apenas preenchendo lacunas com discursos ignorantes? Esse último acontece bastante quando se pede a opinião de um piloto e ele rebate com desculpas de que está ali para pilotar e nada mais. Claro, ele está ali para competir até que alguma injustiça o atinja e seu público a movimente, pois é nesse momento que uma parte seletiva vai usar sua voz e pedir por mudanças.  

Mudança. Essa é a palavra chave que aterroriza alguns enquanto é o sonho de outros. 

Finalizando, reformulo meu primeiro questionamento: o quão saudável tem sido a SUA participação como um ser humano e fã de Fórmula 1?

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Carioca nascida na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Laiza Villaça é uma aspirante a estudante de jornalismo de 20 anos influenciada pela cultura afro e viciada em velocidade. F1 é seu esporte favorito desde quando acordava cedo na casa de sua avó e assistia as sessões sem saber exatamente o que acontecia. Inspirada pelo realismo, propõe uma dose de desafio e reflexão em parágrafos, combinando competição e sensibilidade.

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