Investir na base feminina do automobilismo é necessário 

Até os dias atuais, a ausência de mulheres nos esportes a motor é grande, e o estigma de que o público feminino é impotente permanece no nosso cotidiano. 

(Imagem: Getty Images) 

Em uma sociedade machista, sempre escutamos frases e piadas horríveis vinda da família, na rua ou em programas de entretenimento. Como, por exemplo, quando uma mulher que dirige e comete um erro no trânsito igual a de um homem: Além de ser rebaixada, também escuta frases tal como “Mulher no volante, perigo constante”. No automobilismo, além de ouvir péssimas palavras desse gênero, vindo do público, chefões, pilotos ou ex-pilotos, há uma grande desvalorização por parte da organização com as pilotas, que é bastante prejudicial e pode ser ainda mais no futuro.

Quando pensamos em categorias femininas no esporte, o estigma social mais difundido é de que mulheres são inferiores. Pensando em rebater esse argumento, a Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, fez uma pesquisa com pilotos e pilotas, usando dados da frequência cardíaca, respiratória e temperatura corporal. Os resultados mostraram que pilotas até com 10 anos a menos de experiência que os homens, reagem e respondem tão bem quanto eles.

Na história da Fórmula 1, apenas cinco mulheres tiveram a oportunidade de disputar grandes prêmios e apenas uma conseguiu pontuar: Lella Lombardi. A última que tentou disputar uma prova foi a italiana Giovanna Amati, em 1992, pela Brabham, que não conseguiu classificar para três provas, sendo substituída por Damon Hill, que também não obteve sucesso na classificação nas corridas seguintes. Há exatos 30 anos não temos uma pilota oficial na nata do automobilismo. 

(Imagem: @unracedf1/ Twitter) 

Tivemos figuras femininas que chegaram a fazer testes com os carros da categoria, no entanto, não correram. Como Susie Wolff, chefe de equipe e diretora executiva da Venturi Racing na Fórmula E e Sarah Fisher, ex-pilota da Indy Series, que foram testadas pela Williams e Mclaren, respectivamente. 

(Imagens: Motorsport Images) 

Até 2019, o automobilismo era o único esporte que não tinha uma categoria exclusiva feminina. Com apoio de diversos membros da comunidade automobilística, como do ex-piloto David Coulthard e o engenheiro Adrian Newey, é criado a W Series. No intuito de promover as mulheres no esporte a motor, a categoria tem a missão de gerar mais inclusão feminina no ambiente da Fórmula 1. Em 2020, a FIA, Federação Internacional de Automobilismo em conjunto com a Ferrari, criaram um programa chamado Girls On Track- Rising Stars, com o objetivo de desenvolver novos talentos femininos e incluí-los na FDA, Ferrari Driver Academy. 

(Imagens: Site oficial da W Series e Motorsport Images) 

Com o cancelamento das etapas dos Estados Unidos e do México deste ano, a organização antecipou o fim da temporada devido problemas financeiros. Segundo o jornal inglês The Telegraph, a dívida estaria aproximadamente na casa dos R$ 45 milhões, a W Series afirmou que não conseguiu receber um investimento como prometido por uma parceria, o que ocasionou o fim do campeonato. Com essa decisão, consagraram Jamie Chadwick, campeã dessa temporada, conquistando o seu tricampeonato. 

Em entrevista ao jornal Corriere dello Sport, o piloto Charles Leclerc levantou um debate nas redes sociais sobre a questão da presença de mulheres na Fórmula 1. Disse que acompanha um pouco a W Series, elogiou a atual campeã Jamie Chadwick, dizendo que seria bom dar uma chance as mulheres no automobilismo e finalizou “… esperamos ter uma (mulher), mas não como a ajuda de uma mensagem social”. 

Para chegar à elite do automobilismo é necessário um investimento alto e de risco. Segundo pesquisas da Business Sports, para uma pessoa querer seguir essa carreira, desde as categorias de base a Fórmula 1, é necessário desembolsar em torno de 6 milhões de dólares, cerca de 32 milhões de reais. Esse é um dos principais problemas da dificuldade da entrada das mulheres nesse meio, pois pela falta de patrocínio e investidores, poucas conseguem arcar com esses gastos. 

A questão dita por Leclerc ao jornal italiano é bem complicada, pois temos diversos exemplos de pilotos que chegaram na Fórmula 1 pelos altos investimentos e não pelo mérito, o resultado disso é quando chegam nas pistas mostram resultados péssimos. A organização já se beneficiou com a bandeira social, inseriram as meninas no esporte sem nenhum preparo e dizendo:-“Olha temos diversidade aqui”, o que gerou diversas vezes questionamentos sobre os seus talentos. O correto ao investir na base feminina, deveria haver um bom preparo e uma fusão entre a questão da inclusão e o mérito. 

No grid masculino temos poucos homens racializados, e, quando olhamos para o feminino, simplesmente não há: E isso é um grande problema. Já tivemos uma mulher preta, a Naomi Schiff, durante a temporada de 2019. Atualmente ela é embaixadora da diversidade e inclusão da W Series. Muitas vezes, escutamos diversas frases como: “Ah, mas essa questão nós vemos depois”. Não, devemos resolver essa situação agora, pois é triste assistir uma modalidade que não há pessoas como você, e que com a inclusão, serviriam de inspiração e exemplo para milhares, principalmente para grupos minoritários. 

(Imagem: Getty Images e Site oficial da W Series) 

O esporte a motor é um dos poucos que tem o privilégio de homens e mulheres competirem sem distinção, a categoria deveria aproveitar isso e dar um ótimo exemplo social. Como o resultado da pesquisa de Michigan, o público feminino tem a maior possibilidade de conseguir competir nas pistas do mesmo modo que o masculino. Essa ausência de mulheres é bem preocupante, pois várias categorias estão caminhando aos poucos para a modernidade e a inserção delas nos seus respectivos esportes. Com o investimento digno que as meninas merecem, podem se desenterrar diversos talentos e no futuro colheremos o fruto de ter mulheres na Fórmula 1.  

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Joyce Rodrigues é uma carioca de 19 anos, que está cursando o primeiro período de jornalismo. Ama escrever sobre esportes. A Fórmula 1 é uma das suas maiores paixões desde os seus 14 anos.

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