Ímola 94: Como o final de semana mais fatal da F1 mudou a segurança no esporte

O GP de San Marino 1994 foi um evento para ser esquecido, mas sua memória ajudou a moldar a segurança da categoria. 

Na sexta-feira 29 de abril de 1994, era dado início ao final de semana que a Fórmula 1 gostaria de poder apagar da história. Quando a bandeira quadriculada foi agitada no domingo 01 de maio, terminava aquele que seria o Grande Prêmio mais fatal da categoria.

O acidente de Rubens Barrichello nos treinos livres foi um presságio do que ainda viria a acontecer. O piloto brasileiro engoliu a própria língua e de acordo com Sid Watkins morreu por seis minutos. O neurocirurgião ainda faria mais dois resgates naquela pista. No sábado com o estreante austríaco Roland Ratzenberger e no domingo com o tricampeão brasileiro Ayrton Senna, ambos perderam suas vidas. 

Os acontecimentos em Ímola marcaram o início de uma verdadeira revolução da segurança não só da Fórmula 1 como de todo o automobilismo. 

O que mudou pós 1994

Os doze anos sem acidentes fatais antes daquele GP davam uma falsa sensação de segurança. Foram as mortes de Ratzenberger e Senna que mostraram o longo caminho que deveria ser percorrido. Watkins foi um dos grandes nomes responsáveis pelas mudanças. 

“Passamos a pensar na segurança como um todo, não olhando somente o carro, os equipamentos dos pilotos, mas no que poderia ser feito para melhorar o resgate do acidentado, o primeiro atendimento médico, o grupo de retaguarda nos hospitais, os circuitos, as regras de comportamento dos pilotos nas disputas e até como evitar de os comissários de pista e o público nas arquibancadas poderem ser atingidos por algo” revelou ele. Vale lembrar que espectadores também sofreram acidentes em Ímola quando um pneu voou em direção à arquibancada. 

A FIA criou um instituto para a segurança no esporte a motor que foi liderado por Watkins até 2005. Todos os pontos, desde os carros até os resgates foram reformulados. 

Os carros

Não é preciso um olhar muito treinado para perceber que os monopostos de hoje são mais seguros do que os antigos. Na década de 80 e 90 as paredes laterais eram mais baixas tornando possível ver os ombros dos pilotos. Essa foi uma das primeiras mudanças adotadas.

Além das laterais mais altas, o regulamento obriga também a existência de dois cones próximos às tomadas de ar, capazes de absorver os impactos laterais. Ao redor do piloto um arco construído de material leve e capaz de absorver impacto foi instalado. Os pneus são presos por cabos de kevlar ao carro, o que reduz as chances deles atingirem outros pilotos, comissários ou até mesmo o público. O cockpit ganhou uma abertura maior que reduz o estresse dos pilotos e garante mais facilidade para a saída em casos de emergência.

Praticamente toda a estrutura dos carros atuais é feita para se romper. Em grandes impactos elas se quebram, amassam e se rompem de forma a reduzir o choque. Apenas o monocoque, também conhecido como célula de sobrevivência, é projetado para ser indestrutível. 

Os capacetes fabricados em fibra de carbono absorvem mais impacto do que os de 94, além de contarem com uma abertura menor para a visão dos pilotos e viseiras mais resistentes para evitar que destroços atinjam a face. Além do capacete mais resistente os pilotos contam também com o Hans, adotado no inícios dos anos 2000 que protege a coluna cervical de movimentos bruscos capazes de gerar lesões perigosas.

Um sistema de “caixas pretas” similar ao da aviação foi instalado nos carros. Alimentada por vários sensores, ela oferece aos peritos uma série de dados em casos de acidentes que possibilitam a reconstituição do ocorrido, além de ajudar a encontrar soluções no regulamento para evitar a reincidência. 

A adição mais recente de segurança aos carros foi o halo. Adotado em 2018, ele começou a ser projetado e testado depois do acidente de Felipe Massa em 2009 e da morte de Jules Bianchi em 2014. A estrutura é capaz de sustentar até 12 toneladas e protege a cabeça dos pilotos. Acidentes como o de Grosjean em 2020 e Zhou em 2022 comprovaram a sua eficiência.

Os circuitos

Carros mais seguros também pedem por circuitos mais seguros. Os autódromos passaram por uma série de reformulações. O próprio traçado de Ímola foi alterado e a Tamburello – curva do acidente de Senna – se tornou uma chicane. 

Áreas de escape maiores e em sua maioria com asfalto mais abrasivo foram instaladas.Com o piloto acionando o freio o carro perde velocidade e o impacto é menor nas barreiras. Em curvas de alto risco o soft wall é instalado, uma parede retrátil capaz de absorver a energia dos choques.  

Segurança ativa

Toda a operação de resgate, desde os comissários até os médicos, é a chamada segurança ativa da Fórmula 1. O treinamento dos grupos de resgate é padronizado no mundo inteiro pela FIA. Existe um tempo mínimo para a chegada no local do acidente, um padrão de imobilização e retirada do piloto do cockpit, além da integração maior entre a equipe médica local e a de plantão no hospital.

Foi por conta de todo esse avanço que Watkins declarou que “a perda de Ayrton Senna já salvou muitas vidas, não apenas na F1, mas no automobilismo.” A trajetória em busca de um esporte mais seguro nunca terá um fim, mas a memória de Ímola 94 mudou a forma como ela é percorrida. Como Ecclestone afirmou, o empirismo foi trocado pelo cientificismo.

O legado de Senna foi além do exemplo da sua dedicação, seu talento e suas conquistas. Sua perda e também a de Ratzenberger transformou a Fórmula 1 e salvou a vida dos pilotos das gerações futuras.

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Aline Fatima tem 24 anos, é formada em jornalismo e escolheu seguir a profissão assistindo sua primeira temporada de F1 em 2008 (sim, é completamente viúva de 2008 e acredita que o Massa merecia o título). Atualmente no Marketing Digital, sonha com o dia de trabalhar com suas duas paixões: Jornalismo e F1.

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