Neste fim de semana o palco do quarto Grande Prêmio da categoria rainha do automobilismo, como carinhosamente chamam os portugueses, será na belíssima cidade de Baku, capital do Azerbaijão. Apesar das paisagens exuberantes que marcam o país e deste GP ter sido decisivo para o desfecho do polêmico campeonato de 2021, o Azerbaijão também está cercado de polêmicas no âmbito da Política Internacional.
Oficialmente nomeado como República do Azerbaijão este é um país localizado na região conhecida como Cáucaso do Sul, sendo o cruzamento entre o Leste Europeu (onde faz fronteira com a Rússia) e o Sudoeste Asiático (dividindo fronteiras com a Geórgia, Armênia e Irã). Portanto, é um país localizado em uma região muito estratégica, historicamente marcada pela presença de vários povos e etnias.
Pela localidade e proximidade com a atual Federação Russa, entre 1922 e 1991, o Azerbaijão foi parte da União Soviética, bem como a Armênia e a Geórgia. Também por fazer fronteira com países importantes para o Islã, o Azerbaijão é composto majoritariamente por muçulmanos xiitas, que representam 97,3% dos 10,4 milhões de habitantes do país. Essas duas informações são essenciais para entender as raízes de um conflito que há décadas assola os povos azeris e armênios: o Conflito de Nagorno-Karabakh (ou Artsakh).
Nagorno-Karabakh (N-K) é uma região localizada dentro do território azeri – um enclave – que, mesmo sendo uma região de maioria étnica armênia e cristã, foi reconhecida em 1923 pela URSS como uma subdivisão administrativa (oblast) do Azerbaijão Soviético. Por isso, antes mesmo do fim da URSS, diversos movimentos separatistas surgiram pedindo o fim do controle azeri que, por vezes, era discriminatório. Em diversos momentos o governo azerbaijano tentou suprimir a história e símbolos armênios em ambientes escolares e midiáticos, e além do favoritismo social e da opressão econômica e cultural, realizava – e ainda realiza – a supressão de direitos dos armênios que ali vivem, em casos onde até mesmo o acesso a infraestruturas básicas chega a ser suprimido.
Com o fim do regime soviético e a crescente independentista em todas as repúblicas que compunham a União, houveram também sucessivos confrontos entre o Azerbaijão e a Armênia pela ocupação e controle de N-K. No ápice da Primeira Guerra de Nagorno-Karabakh (1988 – 1994) os armênios atacaram, assassinaram e expulsaram os azeris que viviam ali, no episódio conhecido como o Massacre de Khojaly de 1992. Evento este que é o principal motivo do enclave ser composto até hoje por uma maioria monoétnica armênia e cristã.
Enquanto Nigel Mansell era campeão pela primeira e única vez, buscando uma solução para o conflito, em 1992, foi criado o Grupo de Minsk. Ainda com a atuação da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa – OSCE e a pressão russa na região, em 1994 e 1997 foram realizadas tentativas de estabelecimento da paz na região, por meio de soluções como o reconhecimento do direito de autoafirmação dos armênios, a criação de zonas-tampão e a proposta de desmilitarização da região por ambos os países. Contudo, apesar do sucesso na assinatura do acordo de cessar-fogo em 1994, isso não garantiu o imediato estabelecimento da paz, tendo sido necessárias novas tratativas em 2006 e 2007.
Já em 2016, enquanto Nico Rosberg era campeão pela primeira e única vez, novos conflitos violentos surgiram na região. Até 2020 eles permaneceram de certa forma estáveis, período em que a Fórmula 1 até sediou 3 Grandes Prêmios no Azerbaijão (2017, 2018 e 2019). No entanto, uma nova guerra foi travada entre ambos os países em 2020, em um conflito que foi uma consequência direta de uma declaração do presidente do azerbaijano, Ilham Aliyev, onde disse que buscaria uma solução militar para o conflito. Os únicos resultados, porém, foram novas mortes, mais violência e a retomada do controle azeri de Nagorno-Karabakh – que é atualmente patrulhado por tropas de paz russas.
As graves hostilidades, no entanto, não impediram que a F1 renovasse seu contrato com o governo azeri em 2019 – estendendo o GP até 2023 – e que mesmo com a retomada das agressões azeris neste ano, o contrato foi novamente estendido e estará no calendário da competição até o final da temporada de 2026. Nas palavras do presidente e CEO da F1, Stefano Domenicali, o circuito de Baku é “extremamente popular” para a categoria e “sempre oferece grande drama e já foi palco de algumas das corridas mais emocionantes da memória recente”, motivo pelo qual disse estar “muito satisfeito” em estender o “relacionamento com o país do Azerbaijão”.
Diferentemente do que acontece no continente europeu entre a Rússia e a Ucrânia, para a Fórmula 1, as mortes que sistematicamente acontecem dentro do território azeri e os constantes ataques do governo contra o povo armênio não são suficientes para suspender qualquer relação com o governo azerbaijano, assim como ocorre com a Arábia Saudita. Mesmo com diversos relatórios de organizações como Human Rights Watch, a Anistia Internacional e até mesmo das Nações Unidas, apontando para as graves violações de Direitos Humanos no país, mais uma vez ficou perceptível que o movimento “No War” promovido pela própria F1 e seus pilotos escolhe muito bem seus posicionamentos e alvos. Enquanto isso, o governo do Azerbaijão, nadando no dinheiro trago por este evento de alcance mundial que a cada Grand Prix bate recordes de público, quando não está promovendo corridas dramáticas, está promovendo guerras dramáticas, que diferentemente das brigas nas pistas passam despercebidas por todos.
Referências:
CIA Factbook. Saudi Arabia. 2023. Disponível em: <https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/azerbaijan/>.
INTERNATIONAL Crisis Group. The Nagorno-Karabakh Conflict: A visual explainer. 2023. Disponível em: <https://www.crisisgroup.org/content/nagorno-karabakh-conflict-visual-explainer>.
MAKIO, Danielle Amaral. Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da UNESP. Poder e território entre Armênia e Azerbaijão: a escalada do conflito de Nagorno-Karabakh. 2020. Disponível em: <https://neai-unesp.org/poder-e-territorio-entre-armenia-e-azerbaijao-a-escalada-do-conflito-de-nagorno-karabakh/>.
______. Observatório de Conflitos. A luta por independência de Nagorno-Karabakh. Dossiê de Conflitos Contemporâneos, vol. 2, n. 1, out./jan. 2021. Disponível em: <https://gedes-unesp.org/wp-content/uploads/2021/03/Dossi%C3%AA-Obs.-Conflitos-v.-2-n.-1-2021-7-13.pdf>.
MOTORSPORT.COM. Azerbaijan GP pens contract extension to 2026 F1 season. 2023. Disponível em: <https://www.motorsport.com/f1/news/azerbaijan-gp-pens-contract-extension-to-2026-f1-season/10462419/>.
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Jorge Willian Ferreira Gonçalves é graduando em Relações Internacionais pela UFG, além de gostar de estudar e pesquisar sobre Leste-Europeu e Ásia Central, também é entusiasta da aviação e da Fórmula 1.
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