Sejamos como “Olho de Tigre”

Lewis Hamilton no GP da Espanha em 2020, com o capacete em apoio ao movimento Vidas Negras Importam (Imagem: The Guardian)

A frase “fogo nos racistas” faz parte do verso mais famoso da música “Olho de Tigre”, do rapper mineiro Djonga, que luta ativamente contra o racismo. A música, que já foi ouvida em vários cantos do Brasil, é um hit devido aos versos fortes e ao significado, que é um pedido de basta e que já não se aceitam condutas racistas. Não sendo diferente no ambiente do automobilismo, no último mês ocorreram as falas racistas de Nelson Piquet em relação a Lewis Hamilton e do piloto da Fórmula 2, Juri Vips durante uma live na Twitch.

Gravado em novembro de 2021, o trecho da entrevista de Nelson Piquet com o jornalista Ricardo Oliveira viralizou no final do último mês. O ex-piloto usa o termo racista “neguinho” ao se referir a Lewis Hamilton, ao comparar os acidentes entre Senna e Prost no GP do Japão de 1990 e Verstappen e Hamilton no GP da Inglaterra de 2021 e posteriormente reproduziu uma fala homofóbica em relação ao heptacampeão.

Ocorrido também no final de junho, Juri Vips participava de uma live junto com Liam Lawson. Pilotos da equipe Hitech da Fórmula 2, disputavam uma partida enquanto conversavam, em um momento, Vips usa uma palavra racista e na mesma live foi homofóbico.

Seguindo o roteiro de grande parte das pessoas que fazem ações preconceituosas, ambos pediram desculpas a partir de uma nota em suas redes sociais. Piquet está proibido de pisar no paddock e depois de ser denunciado ao Ministério Público, a justiça acatou uma ação contra Piquet pelas falas racistas e homofóbicas direcionadas ao Hamilton. Segundo ao site Uol, no processo, pedem uma indenização de 10 milhões que seria utilizado para órgãos defensores de pautas do movimento preto e LGBTQIAP+. No caso de Vips, a equipe Hitech decidiu dar uma segunda chance ao piloto, mesmo depois de terem rescindido o contrato pela Red Bull Racing.

Houve diversos argumentos para defender as ações de ambos: Diziam que deveriam ser menos radicais, pois um já era mais velho e o outro muito novo e tinha bastante a aprender. No entanto, em nenhum momento pensavam nas vítimas que foram atingidas por essas palavras. Não foi qualquer tipo de erro, em que podemos pedir desculpas, como, por exemplo, sem querer derrubar um líquido na roupa de uma pessoa e depois estar tudo bem. O que eles cometeram foi um crime, que há anos interrompe sonhos de vidas pretas todos os dias e destroem famílias.

O comentário dito pelo ex-piloto não foi uma fala carinhosa ou mal traduzida, como dizem alguns de seus defensores. Segundo a ABRATES, Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes, que se manifestou em relação ao caso, o comentário do brasileiro não foi traduzido de forma incorreta, mantendo a carga pejorativa e inaceitável na sociedade atual.

Posicionamento da associação em relação a fala do ex-piloto (Imagem: Site da ABRATES)

As equipes que tiveram pilotos ou outros membros envolvidos em casos de racismo não deveriam dar uma segunda chance a eles. Cortar seus contratos e, em conjunto com a organização, banir do grid, além de haver participações em programas de inclusão, seriam ações ideais para combater o racismo. Apenas fazer uma declaração que é contra ou afastá-los por um certo momento não agrega na luta antirracista. Além disso, a mídia não deve dar voz para essas pessoas, é totalmente inadmissível atualmente ver seres que tem históricos de falas preconceituosas serem convidados para participar de entrevistas.

Lewis Hamilton fez posts no Twitter sobre o assunto. Um dizia que devemos focar em mudar a mentalidade e o outro que palavras desse tipo não tem mais espaço no esporte, que houve muito tempo para aprender e agora é tempo de ação. O piloto recebeu apoio de diversos artistas, como o rapper Emicida, que em um show no Festival Turá em São Paulo no início do mês declarou: “Quando é que um cara do tamanho do Lewis Hamilton ia ter que escutar daquele chofer jumento? Neguinho é o c******!”, em seguida emendou a referência de sua música “Bang!”, incendiando o público.


Postagens de Lewis Hamilton em relação ao ataque que recebeu do ex-piloto. No primeiro ele diz “É mais que uma linguagem, essas mentalidades arcaicas devem mudar e não tem espaço em nosso esporte. Fui cercado por essas atitudes e um alvo por toda a minha vida. Tivemos muito tempo para aprender. Chegou a hora de ação” (Imagens: Twitter)

@emicida agora sobre Piquet e Hamilton

O vídeo foi gravado no Festival Turá, realizado em no Ibirapuera, em São Paulo, hoje e amanhã.

#TuraNoMultishow #FestivalTura

Originally tweeted by Estagiário da F1 deu GREEN 🟢 (@EstagiariodaF1) on 03/07/2022.

O que aconteceu com Lewis ocorre diariamente com diversas pessoas pretas em nossa população. A organização, equipes e pilotos tem o dever de se posicionar, pois quando você se isenta em relação a questões de direitos humanos, está automaticamente no lado do opressor. Na sociedade atual, racistas não devem ter espaço e nem segundas chances, passamos anos tentando explicar e ensinar o tanto que o racismo matou e ainda assassina milhares de pretos todos os dias. Como na faixa do Djonga e a postagem do heptacampeão, temos que dar um basta, agora é tempo de agir.

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Joyce Rodrigues é uma carioca de 19 anos, que está cursando o primeiro período de jornalismo. Ama escrever sobre esportes. A Fórmula 1 é uma das suas maiores paixões desde os seus 14 anos.

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