O mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, é marcado por muita comemoração no esporte de motor pelo progresso feminino na sua inserção neste desporto, tanto dentro como fora das pistas.
Além de pilotas, elas estão como jornalistas, fotógrafas, publicitárias, engenheiras, mecânicas, enfermeiras, médicas, todo a força de trabalho de um Grande Prêmio (GP), produtoras de conteúdo, sem esquecer das próprias torcedoras. Contudo, além da maior presença de mulheres tanto no autódromo, como no corpo profissional e na audiência do esporte sobre rodas, ainda há muitos desafios: como a desigualdade de acesso para pilotas chegarem em grandes categorias; discriminação e assédio à outras profissionais do esporte e torcedoras.
Alguns dos primeiros exemplos do mundo ocidental contemporâneo de mulheres que fizeram sucesso no automobilismo datam do final do século XIX, em,1897, em Paris, com três mulheres que decidiram disputar uma corrida, vencida por Léa Leamoine sobre um triciclo motorizado. Outro exemplo foi a italiana Maria Teresa de Filipis, que em 1958, foi a primeira mulher a disputar uma corrida de Fórmula 1 (F1), e a primeira a pontuar foi Lella Lombardi, apenas na sua segunda corrida, no GP da Espanha. Mais recentemente, tivemos a piloto brasileira Bia Figueiredo na Indy Light, na Stock Car e este ano, vai correr na Fórmula Truck na; além da estadunidense Danica Patrick, que correu na Indy e na Nascar.
Mas é evidente que o caminho para a profissionalização das mulheres como pilotas no esporte a motor é muito mais difícil. Elas costumam iniciar no kart mais tarde, as próprias famílias preferem investir mais nos meninos do que nas meninas quando se trata de carreira no kartismo. Esse preconceito se estende às equipes, patrocinadores, preparadores físicos, torcida da própria região/país. Sabemos que as competências são distribuídas para todos os grupos na sociedade, para todas as etnias e gêneros, se um conjunto de pessoas é excluído, muitos talentos são desperdiçados.
Essas meninas e mulheres ficam muito sujeitas a um grande esforço pessoal delas e de suas famílias, por isso é tão importante pensar em ações afirmativas para elas. É possível pensar no exemplo do heptacampeão Lewis Hamilton. Se ele nunca tivesse tipo a oportunidade de correr se vivêssemos num regime de eterno apartheid? Ainda assim, ele enfrentou inúmeros dificuldades e discriminação porque é negro, dependeu de um grande voluntarismo de seu pai. Anthony Hamilton trabalhou em três empregos para sustentar a carreira no kart de Lewis e esse esforço, provavelmente, ainda não deixaria Lewis Hamilton tão próximo da Fórmula 1, se ele não tivesse assinado contrato com a McLaren aos 10 anos de idade. Isso não por falta de talento, que com certeza foi aprimorado com os anos de apoio da McLaren, é porque é necessário muito suporte financeiro, para dizer o mínimo, para se entrar na F1.
Apesar de estarem surgindo alguns programas de ação afirmativa para aumentarem a presença feminina nas principais categorias de automobilismo, a sua eficácia, até agora, não tem sido tão grande, pelo menos neste seu principal objetivo. A W Series, categoria exclusivamente feminina, que se iniciou em 2019, com uma excelente proposta de dar visibilidade às mulheres que tivessem bom desempenho na categoria falhou em levar pelo pelo menos sua bicampeã, Jamie Chadwick, para alguma categoria de base, como a Fórmula 2 ou 3, em que ela pudesse ter um carro minimamente competitivo.
Os preconceitos de equipes e patrocinadores se mantêm, e apesar de ela ter sido uma de muitas reservas da Williams, por não ter dinheiro, nunca teve oportunidade de guiar o carro. A solução de Chadwick foi seguir carreira nos Estados Unidos, na Indy. A F1 anunciou a F1 Academy, nova categoria para mulheres, mas precisa ser melhor encaminhada. E fora isso, equipes de Fórmula 1 tem criado programas para meninas em suas equipes de base, como a Ferrari, a Renault, entre outras, falta saber se isso vai se traduzir em voltas na sexta-feira e vagas na F1 no futuro.
Fora das pistas ainda há inúmeros desafios. Entre as profissionais de comunicação, há grandes nomes, inclusive jornalistas negras, mas elas não têm igualdade de oportunidade com jornalistas esportivos. Embora capacitadas para falar sobre esporte a motor, elas acabam não sendo chamadas para entrevistas por serem mulheres, ou ocupando espaços melhores, ou tendo que empreender com seus próprios canais em plataformas de mídias sociais para sobreviver. Este é o destino de muitas minorias sociais neste país.
Produtoras de conteúdo e torcedoras ainda sofrem bastante discriminação. No artigo escrito por mim, em 2020, sobre o coletivo Girls Like Racing – ainda não publicado – a fundadora e líder do grupo, a engenheira mecânica Érika Prado, argumenta que ela é muita convidada para falar no mês de março do Dia da Mulher – e mês de outubro – mês de prevenção ao câncer de mama. E geralmente a convidam para falar como líder do GLR, raramente para falar como engenheira, que é especialidade dela. São comuns os relatos na Internet com torcedoras e produtoras que expressam sua opinião sobre esporte a motor e o debate terminar com homens revidando frases machistas, como “‘vai lavar louça”. Nos últimos anos, cresceu muito o número de torcedoras indo às corridas, mas no GP do Brasil de F1 as meninas e mulheres, em geral, sempre procuram andar em grupo com medo de passarem por algo.
Reconhecer o progresso neste no Dia da Mulher, com a maior presença feminina em todas as áreas, é necessário, mas ainda há muito a se avançar. Entre algumas sugestões para as diferenças no esporte a motor, podemos apontar; políticas mais efetivas para as pilotas chegaram ao topo do automobilismo mundial, como patrocínio, categorias femininas que garantam a elas realmente uma vaga nas categorias de base numa equipe, no mínimo, intermediária, em que elas possam mostrar seus talentos. Há uma discrepância muito grande entre homens e mulheres neste esporte, falta de representatividade e desperdício de talentos. E para a luta de todas as mulheres neste esporte de velocidade, todas as pessoas podem contribuir, como evitar julgar o desempenho de pilotas, comunicólogas, produtoras de conteúdo e do paddock com base do seu no seu gênero, contratá-las sem discriminação, respeitar todas as mulheres, inclusive as torcedoras, com diferentes opiniões.
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Ester dos Santos é mestranda em Ciência Política, na UnB, acompanha Fórmula 1 desde 2009 e ama falar de automobilismo, política e assuntos afins.
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