O que é ser uma mulher negra na comunidade da Fórmula 1? 

(Imagens: Naomi Schiff (Sky Sports), Melissa Nathoo (Redes Sociais) e Stephanie Travers( Redes Sociais) 

O preconceito na comunidade da Fórmula 1 é como um oceano e as mulheres pretas são as ilhas, seguem resistindo por amar um esporte, que nunca teve reciprocidade por nós. 

Você já perguntou a uma amiga, que é negra e goste de automobilismo, como ela se sente na comunidade de fãs? Provavelmente ela vai falar sobre experiências traumáticas, que se sente sozinha ou nunca foi acolhida, pois esses são os principais argumentos quando essas mulheres são questionadas sobre esse assunto. Por ser uma categoria que é o espelho da exclusão e o preconceito, parcelas de seus consumidores agem de forma idêntica. 

Claramente nunca fomos bem-vindas no esporte, tanto na categoria, onde vimos diversos rostos brancos femininos nas fotos das equipes, quanto nas redes sociais, com os grupos de conversas, onde a sua opinião é inválida ou fazem piadas de cunho preconceituoso em relação a suas vivências e ao seu piloto favorito. É como uma pessoa querer entrar no paddock e ter o seu acesso ser negado. 

Assisto Fórmula 1 há 7 anos, participo comentando sobre nas redes sociais desde então, já vi diversos ataques á mulheres pretas. Como o caso de uma foto que foi postada por uma página, de mulheres que trabalham na categoria, uma das pessoas falaram sobre a falta de representatividade negra e a dona da página respondeu com desdém, dizendo que era uma “questão para se resolver depois”. 

Outro episódio, que ocorreu no último ano, foi aos ataques a ex-pilota e apresentadora da Sky Sports, Naomi Schiff. A alemã foi alvo de racismo nas redes sociais, após aparecer no paddock do GP de Baku, no Azerbaijão, com diversos comentários questionando suas credenciais no esporte e sobre sua personalidade. Apenas dois pilotos do grid prestaram apoio a vítima, Lewis Hamilton e Sebastian Vettel. 

Não podemos esquecer dos grupos que se dizem ser de “acolhimento feminino”, no entanto, nada mais é que o espelho do feminismo branco liberal. Fazem diversos discursos em relação a união feminina, porém quando uma mulher negra chega até elas e fala que sofreu racismo, tratam como se a vítima entendesse errado. É como a frase da autora norte-americana e ativista Bell Hooks “enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir por completo”. 

Depois de pesquisar e observar as redes sociais sobre esse assunto, conversei com duas meninas, trocamos algumas ideias e elas aceitaram dar os seus depoimentos: 

Laiza, Estudante do Rio de Janeiro (@dearlews) 

“Meu nome é Laiza, sou estudante do Rio de Janeiro, longe das praias e em uma área marginalizada. 

Meu envolvimento com a comunidade de Fórmula 1 é algo que busco expor o que acredito pois, por mais que insistam, nunca será apenas um esporte. A F1 é cruel quando se trata de realmente se posicionar e levar isso para frente, o que me irrita bastante, levando em conta que passam por tantos lugares, no entanto, realmente não pretendem causar uma impressão positiva.  

Me vejo como mulher negra acompanhando um esporte que não se importou de verbalizar absolutamente nada quando Lewis Hamilton recebia ataques racistas das arquibancadas em seu primeiro ano de categoria, o esporte que não inclui ou pensa em estimular projetos que levem diversidade para o grid. Bem, não vivo em conto de fadas, a realidade é dura, porém, quando acompanhamos um esporte, realmente queremos sentir 100% de realidade? Desejamos nos distrair com aquilo, mas não necessariamente manter um padrão.  

Ainda há muito o que melhorar na Fórmula 1 e não será apenas um piloto, uma equipe, o suficiente para levar consciência pois dizem ser difícil perceber algo que não o afeta completamente, mas oprime os outros em volta. Então, como uma pessoa racializada, que busca seus sonhos fora do padrão, percebo como ainda precisa ser feito mais. 

Acima de falas como “Esperança Branca”, “O neguinho”, não saiam com tanta facilidade, para que os idiotas que desprezam a inclusão pensem bem antes de falar.  

No fim, sou apenas uma torcedora que acredita em um meio com mais empatia, menos “Cash is king”, que viu o único piloto negro em um grid de F1 e decidiu que iria torcer por ele porque era o único piloto negro em um grid de F1” 

Maria Eduarda, Estudante do Rio de Janeiro (@saintknowless) 

“A autora e ativista antirracista, Djamila Ribeiro, publicou em seu blog da revista “Carta Capital”, a seguinte matéria “Cansado de ouvir sobre machismo e racismo? Imagine quem viver isso”. Quando a pergunta é experiência da mulher negra como torcedora de algum esporte, a história é sempre a mesma, pouca representatividade e a quase nenhum respeito.  

O ambiente da Fórmula 1 para uma mulher racializada é bastante tóxico, sempre temos a escassez de visibilidade e episódios de racismo, seja de um chefe de equipe ou até mesmo uma piada de um piloto na rede social. Na maioria das vezes, não há manifestações de perdão, como um texto de pedido de desculpas. 

Seguindo nessa narrativa, que se as pessoas do alto calão do esporte não sofrem consequências, os fãs se sentem à vontade para ofender e agredir, dando continuidade a essa sequência de preconceitos.” 

Mesmo com esses problemas, tivemos boas conquistas nos últimos anos, com a entrada de rostos femininos pretos nas equipes, mídias e transmissões de televisão, apesar de ainda serem poucos. Ser uma mulher preta na comunidade da Fórmula 1 é saber que a todo tempo você será atacada pela categoria, com suas ações de exclusão e pela sua rede de fãs, seguindo as mesmas estratégias nas redes sociais.

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Joyce Rodrigues é uma carioca de 20 anos, que está cursando o terceiro período de jornalismo. Ama escrever sobre esportes. A Fórmula 1 é uma das suas maiores paixões desde os seus 14 anos.

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